Para quem gosta de conhecer lugares lindos, mas de acessibilidade complicada, estadia no estilo “dá-se um jeito”, comidinha super simples, porém deliciosa, e a viagem em si pode ser classificada como “uma aventura”, não pode deixar de visitar Travosa, povoado de Santo Amaro, nordeste do litoral maranhense.
Saímos de São Luís rumo a Humberto de Campos, onde deixamos o carro e pegamos um pequeno barco a motor, e viajamos por aproximadamente 1 hora e 10 minutos, por entre o que nos pareceu ser um gigantesco igarapé, até chegar na cidade de Primeira Cruz.
Alguns historiadores afirmam que os frades capuchinhos fincaram a primeira cruz em solo maranhense nessa região, antes mesmo da fundação de São Luís. Daí o nome da cidade, que compõe a microrregião dos Lençóis Maranhenses, e um de seus principais acessos.
A cidadezinha é uma graça, bucólica, parece que viajamos no tempo: cadeiras na calçada, todo mundo se conhece – tanto é verdade que, o auto-falante da praça, para nossa surpresa, estava "saudando os turistas", ou seja, nós, as únicas pessoas desconhecidas do lugar. Jovens e crianças nos rodeavam e observavam de longe, curiosos.
As pessoas podem dormir com as portas das casas abertas e o fazem muitas vezes, segundo D. Florzinha, proprietária do único hotel – na verdade, a sua própria casa. Os filhos foram estudar e/ou trabalhar em cidades maiores, e ela decidiu alugar os quartos, transformando a casa numa hospedaria bastante simples, mas acolhedora.
Ficamos em Primeira Cruz à espera da condução para Travosa – um trator que puxava uma carroça, onde viajaríamos. Tomamos uma cervejinha, andamos um pouco pela cidade, e depois do almoço partimos para nosso destino.
Durante quatro horas e meia viajamos pulando literalmente em cima da carroça lotada. Para completar a aventura um tanto desconfortável – claro, caso contrário não seria uma aventura – caiu uma chuva forte no meio do caminho. O motorista do trator deu uma paradinha rápida e jogou sobre nossas cabeças uma lona de plástico pra nos proteger. Aí ficou melhor ainda, pois nos segurávamos na carroça com uma das mãos, e a lona sobre a cabeça com a outra mão.
Por cortesia divina, a chuva não demorou muito. Retirada a lona, seguimos viagem completamente ensopados e com um pouco de frio. Ainda bem que carregamos sempre uma meiota de cachaça que foi providencial, e passou de boca em boca na carroça – tínhamos que ser solidários, não éramos os únicos com frio naquela situação. Além da pinga, dividimos nossa água, frutas e uns lanchinhos.
Fizemos amizade com todo mundo e em pouco tempo já estava quase rolando uma briga, a respeito de quem iria nos hospedar - Travosa não possui hospedaria. Explicamos que estávamos com nossa barraca e queríamos somente que indicassem o melhor lugar para acampar. Armamos nossa barraca na frente da casa do dono do trator, Hermínio, que morava na beira do rio, e que nos deixou usar a “casinha” no seu quintal.
Assim, passamos a Semana Santa em Travosa, um pequeno paraíso nos Lençóis Maranhenses que ainda não foi “descoberto” por turistas.
Dicas: em Humberto de Campos existe um estacionamento no terreno da Casa Mendes (a cidade é tão pequena que qualquer criança pode indicar a localização - fica em frente a uma praça). O proprietário, Marcos Mendes, aluga transporte para o Periá e Lagoa do Cassó. Ambos são temas de outros artigos desse blog. E ambos valem a pena conhecer.
Em Primeira Cruz, hotel de D. Florzinha. Ao desembarcar, perguntar a direção do hotel pra qualquer pessoa - é o único e todos sabem onde fica.
Dicas: em Humberto de Campos existe um estacionamento no terreno da Casa Mendes (a cidade é tão pequena que qualquer criança pode indicar a localização - fica em frente a uma praça). O proprietário, Marcos Mendes, aluga transporte para o Periá e Lagoa do Cassó. Ambos são temas de outros artigos desse blog. E ambos valem a pena conhecer.
Em Primeira Cruz, hotel de D. Florzinha. Ao desembarcar, perguntar a direção do hotel pra qualquer pessoa - é o único e todos sabem onde fica.
Chegada em Primeira Cruz, depois de uma viagem em que a paisagem nos fazia esquecer o "poc poc" do motor da pequena embarcação, que poderia deixar qualquer um louco
Cirana e o barqueiro Francisco, que também tinha o sobrenome Sales, e ela cismou que podiam ser parentes
D. Florzinha em frente à sua hospedagem. Todos a conhecem por Florzinha por ter transformado a calçada em frente à sua casa num lindo jardim, embelezando a rua
Transporte para Travosa. Só existe linha durante uma semana por mês, quando os idosos se deslocam para receber suas aposentadorias. Fora desse período, somente se chega em Travosa de barco, que não possui dia nem horário fixos
Em 2004, todos aproveitavam o que eles chamavam de "viagem dos velhos"
E vamos nós, após o almoço, debaixo do sol de 1 da tarde - horário em que deixamos Primeira Cruz rumo a Travosa. Reclamamos do sol e São Pedro mandou chuva
Passamos por rios e alagados. O "cobrador" precisava colocar peso sobre o trator, que era leve na frente e pesado demais atrás
Essa foto resume os variados trechos pelos quais passamos - pastagens (primeiro plano), alagados, mata e muita areia fina (ao fundo)
Estamos chegando em Travosa, finalmente. As pessoas começam a descer pelo caminho
Enfim, o povoado Travosa. Aqui é o centro, com sua igrejinha.
Uma das poucas ruas (ou caminhos). À noite, quando saíamos para dar uma voltinha, sabíamos quais eram as duas únicas casas onde havia televisão - uma pequena multidão se amontoava nas portas e janelas, assistindo novela
Aqui seria uma espécie de avenida, pois interliga vários caminhos
Acampamos em frente à casa de Hermínio, dono do único trator, que nos deixou usar a "casinha" no quintal. À noite, ficávamos conversando com a vizinhança que vinha nos visitar, e outros vinham nos conhecer
A casa ficava em frente ao rio. Esta era a visão que tínhamos quando acordávamos
Caminho das lagoas e da praia com Igor, filho de Hermínio, que nos serviu de guia. A caminhada até a praia, após a "morraria", leva aproximadamente 1 hora
Córrego do Mundico, geladinho, excelente para se refrescar durante a caminhada
Vale a pena ou não vale?
Espetáculo da natureza. Conhecemos os Lençóis de ponta a ponta, e isso nós só vimos nessa região
Quem conhece a cidade de Natal vai lembrar. Viu só? Os maranhenses também têm um Morro do Careca - versão miniatura, claro. E as crianças aproveitam para brincar de esquibunda
Parecia o fim do mundo, pois não chegávamos nunca. Mas a praia de Travosa é maravilhosa e diferente de muitas outras. Somente água e dunas, sem nenhuma vegetação num raio de quilômetros. Como se fosse o "mar do deserto"
A volta de Travosa foi mais rápida, pois não havia chuva nem tantas paradas pelo caminho. Em compensação, ainda mais desconfortável, pois a carroça vinha praticamente vazia, portanto, pulando ainda mais. A certa altura Luiz ficou em pé, porque “não tinha mais bunda para permanecer sentado”. Chegamos à noite em Primeira Cruz. No dia seguinte fomos embora da "Terra Santa", cheios de saudade