quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Reentrâncias Maranhenses parte III - Arquipélago de Maiaú / Pinheiro / Cururupu

Para completar a Expedição Reentrâncias Maranhenses, visitamos as cidades de Pinheiro e Cururupu, e o Arquipélago de Maiaú. Deixamos São Luís de ferry boat, saindo da Ponta da Espera até Cujupe (aproximadamente 1 hora de travessia). Do Cujupe até Pinheiro são 76km de estrada esburacada (todos os anos essa estrada permanece uns dois ou três meses "um tapete" e depois volta ao normal - uma tristeza).

Pinheiro é chamada de "Princesinha da Baixada" - região onde está localizada. A Baixada é o Pantanal Maranhense, devido às suas áreas alagadas. Existem inclusive várias fazendas de criação de búfalos, animais que conseguem "viver dentro d'água" sem problemas. Sempre que passamos por Pinheiro (na ida ou na volta) uma paradinha obrigatória é no bar e restaurante da Maria Santa, às margens do rio Pericumã. Além da paisagem exuberante e do banho de rio, podemos saborear um petisco que é tudo de bom - as piabinhas fritas, minúsculos peixinhos que, fritos e bem sequinhos, parecem biscoitos crocantes. Imperdível. 

Cururupu (88km de Pinheiro) é uma cidadezinha que parece ter parado no tempo. Para nós, maranhenses, cujo Estado ainda vive estacionado num tempo oligárquico há mais de 40 anos, ficamos com essa impressão de "novela de época", imagine alguém vindo de cidades desenvolvidas. Bucólica, a cidade ainda possui carros de boi (inclusive com rodas de madeira) trafegando pelas ruas, cadeiras nas calçadas, ruas sem asfalto, estaleiros rústicos de construção artesanal de embarcações, pesca artesanal tradicional... E uma cultura popular de forte tradição africana de impressionar antropólogos e historiadores de qualquer lugar do Brasil e do mundo. A tranquilidade é quebrada somente no período do Carnaval. A cidade de Cururupu possui a tradição de ter o melhor e mais tranquilo Carnaval do Maranhão.

O litoral de Cururupu possui o maior arquipélago costeiro do Brasil, com inúmeras ilhas que abrigam vilas de pescadores com ruas de areia e imensos coqueirais, além de praias lindíssimas e desertas. São as ilhas mais oceânicas do Maranhão. Uma delas, a que abriga o Farol de São João, é o ponto extremo oriental do Estado.

É de Cururupu que partimos para o Arquipélago de Maiaú. Existem duas maneiras de pegar a embarcação para as ilhas: por Apicum-Açú (78km) ou por Pindobal (22km). Optamos por Pindobal, cuja estrada naquela ocasião estava menos desgraçada. Em Pindobal decidimos fretar um barco, considerando o número de ilhas e o tempo disponível - apenas uma semana. Foi a melhor coisa que fizemos.

 Conhecemos quase todas as ilhas, incluindo a Floresta dos Guarás que, juntamente com o Pólo Turístico da Amazônia Maranhense e o Pólo da Amazônia Atlântica do Pará, constituem a maior floresta contínua de manguezais do mundo. A Floresta dos Guarás é um santuário ecológico com uma fauna variadíssima, onde habitam uma infinidade de espécies de aves, migratórias e residentes. Dentre as aves migratórias, o Maçarico, que em sua trajetória entre o Canadá e a Terra do Fogo (Argentina), fazem uma paradinha para se alimentar e reproduzir. Quando estivemos lá, a propósito, havia um grupo de pesquisadores estudando os pássaros. Estavam maravilhados.

Dentre as aves residentes, destaque para os guarás, pássaros de penas vermelhas devido ao seu alimento, o caranguejo maracunim. Os guarás protagonizam um espetáculo sempre no início da manhã e nos finais de tarde, quando voltam em enormes bandos rumo à floresta, para dormir. Parece uma nuvem avermelhada no céu azul. Não dá pra descrever, é preciso ver de perto o local onde a Amazônia encontra o mar.

Depois de uma semana passeando entre as ilhas do Arquipélago de Maiaú, voltamos pra casa com a sensação que havíamos fechado a Expedição com chave de ouro. Maciço!

Dicas:
Em Cururupu, Pousada Través'cia (sim, é assim mesmo que escrevem). Rua Herculano Vieira, 29, centro. (098) 3391 1169. Proprietário Jorge Dino.
Ainda em Cururupu, Restaurante e Churrascaria Samambaia. Rua Dr. José Pires, 10, centro. (098) 3391 1698.

Em Pindobal, Barco Lindo Sonho. Contato: Itaurino. 3391 1398 / 3391 1624.



Bar e Restaurante Maria Santa, em Pinheiro. Não dá pra ver direito, precisa ampliar a foto, mas atrás de mim, à esquerda, tem um cavalo atravessando o rio Pericumã. Só a cabeça do lado de fora



Com Cleides e Isabel. Foto de Isabel Medeiros



Isabel e Jandira. Foto de Isabel Medeiros


Restaurante da Associação do Banco do Brasil, em Pinheiro. Porque Maria Santa estava fechada na volta. Também gostamos


Pantanal Maranhense. No período de cheia, os moradores dessa casa só conseguem entrar/sair de canoa. Assim como essa, existem muitas


Em vários trechos da estrada podemos ver os búfalos nos alagados


Restaurante e Churrascaria Samambaia, em Cururupu


Uma cervejinha em Pindobal, no bar de D. Neta, observando a movimentação das embarcações e batendo papo com os pescadores


Almoçando no barco Lindo Sonho - peixe da região, fresquinho, servido cozido, frito ou grelhado, feito no fogareiro por seu Ita


Travessia em alto-mar. Nessas águas está o Parcel de Manuel Luís, maior banco de corais da América e o maior cemitério de navios naufragados do mundo. Assim como as Reentrâncias Maranhenses e a Baixada Maranhense, o Parcel foi reconhecido como Zona Úmida de Importância Internacional (Sítios RAMSAR). É a única região de corais brasileiros a receber esse título. Convite irresistível aos amantes de mergulho - somente para mergulhadores profissionais e experientes, com prévia autorização das autoridades


Ilha de Guajeritiua. A ideia inicial seria fazer uma pequena parada, somente para esperar a água do canal, o "furo" Valha-me Deus, subir mais um pouco e permitir a passagem do barco. Muitas horas depois, o barqueiro teve que nos "resgatar" da ilha, pois não queríamos mais ir embora



A ilha de Guajeritiua é uma comunidade de pescadores, assim como as demais ilhas do arquipélago. Essa foto poderia ser de qualquer uma delas

Brincando com os cabritinhos na rua. Nas ilhas, algumas pessoas criam bodes, galinhas, porcos e vacas. Também existem hortas e o cultivo de plantas medicinais. Em caso de doença, se deslocam para Cururupu. Mas antes disso se tratam em casa mesmo, com plantas, raízes e ervas


Venda do Rui Tavares. Um armazém que vende desde carne enlatada à tampa de vaso sanitário, extrato de tomate a ferramentas diversas, e tudo o mais que se imagina. Paramos pra uma cervejinha e puxamos conversa. Aos poucos outros moradores da ilha juntaram-se a nós. A certa altura perguntei se havia algo para salgar a boca. Seu Rui nos ofereceu carne enlatada (iguaria chique do lugar). Argumentei que preferia algo da própria ilha, tipo peixe ou camarão. "Camarão?", disse ele, "camarão aqui ninguém vende, não. A gente dá". E assim providenciaram uma bacia de camarão refogado acompanhado de uma farofinha. De graça! Na foto, à esquerda, Gilberto "Competência", que nos ofereceu hospedagem quando voltarmos à ilha, nos fornecendo inclusive seu contato de telefone


Furo Valha-me Deus, depois de deixar-mos Guajeritiua com muita relutância. Ficamos o dia todo na ilha, visitamos as casas dos novos amigos, ganhamos até presente - camarão, é claro.

Atravessamos uma imensa floresta de manguezais, local onde os rios deságuam



Passamos por algumas ilhas, mas não desembarcamos em todas. São muitas. Conhecemos as principais
A generosidade da natureza é algo que impressiona











Uma das ilhas, a de São Lucas, possui um inusitado esquema de segurança: os homens possuem apitos, e ao menor sinal de confusão (a maioria por consequência de bebedeiras), um vai apitando p/ o outro, até que todos chegam ao local da "ocorrência", onde advertem os envolvidos e assim conseguem manter a ordem na ilha. Se algum envolvido em confusão não for morador da ilha, é imediatamente convidado a pegar seu barco e dar o fora




Nos aproximando da Ilha dos Lençóis, famosa por abrigar a maior comunidade de albinos do mundo, os "filhos da lua", assim batizados por saírem sempre à noite, fugindo da claridade do dia e do sol, que pode "fritá-los".
A mítica Ilha dos Lençóis também ganhou fama devido às lendas e mitos do sebastianismo. Segundo a lenda, o Rei Sebastião de Portugal morreu em combate no Oriente Médio, mas "encantou" na costa maranhense, e vive na ilha dos Lençóis em forma de touro encantado. Quando a cabeça da gigantesca serpente que circunda a ilha de São Luís alcançar o rabo, a capital maranhense vai afundar, Rei Sebastião vai desencantar e governar o Maranhão da Ilha dos Lençóis




Certa dia, estávamos sentados na areia, no meio das dunas, conversando e observando deslumbrados a beleza da ilha, quando ouvimos um mugido. Claro que era de alguns bois e vacas que já haviam passado por nós. Mas, por via das dúvidas, voltamos pra vila. Vai que é o Touro Encantado...


 
Pousada Filhos da Lua, única do arquipélago. Na época pertencia ao lendário e já falecido Lopes. Era rústica, muito simples e confortável. Servia refeições, que eram pagas à parte da diária. O atendimento era feito com muita simpatia por filhos e netos de albinos, funcionários da pousada. Os preços eram acessíveis. Hoje, mudou de dono e soubemos que os preços também mudaram bastante



Vista da janela do nosso quarto. Entre a pousada e o mar havia um quiosque de palha, onde armávamos nossas redes e ficávamos curtindo preguiça após o almoço. Ao lado, o armazém do Mário. Único armazém, que também era o único bar, e único local onde havia uma TV, pois era também o único que possuía gerador de energia elétrica. À noite, os moradores da ilha se reuniam no puxadinho do bar-armazém, e nós também, ouvindo "causos". Jamais estivemos num lugar tão tranquilo. Hoje, a maioria das casas já possui energia.
Ilha de Maiaú, ponto extremo oriental do Maranhão, onde fica o Farol de São João
Tivemos o privilégio de assistir a uma revoada de periquitos no momento em que estávamos no alto do farol. Pena que não deu p/ gravar o som dos pássaros

Aqui é o local onde o Maranhão está geograficamente mais próximo da África
Casas de alvenaria, pertencentes à Marinha do Brasil. A pessoa responsável pelo farol fica completamente isolada na ilha durante meses (entre 6 e 12 meses)
Tentativa de registrar a magnífica revoada dos guarás, no santuário ecológico da Floresta dos Guarás, em plena Amazônia Legal. Foto tirada com câmera analógica, que não possuía zoom
Belíssimo entardecer numa das ilhas do arquipélago. De fato, um lugar de paz